domingo, 24 de abril de 2011

O Tigre - William Blake

Tigre, tigre que flamejas
nas florestas da noite.
Que mão, que olho mortal
se atreveu a plasmar tua terrível simetria?

Em que longínquo abismo, em que remotos céus
ardeu o fogo de seus olhos?
Sobre que asas se atreveu a ascender?
Que mão teve a ousadia de capturá-lo?
Que espada, que astúcia foi capaz de urdir
as fibras do teu coração?

E quando seu coração começou a bater,
que mão, que espantosos pés
puderam arrancar-te da profunda caverna,
para trazer-te aqui?
Que martelo te forjou? Que cadeia?
que bigorna te bateu? Que poderosa mordaça
pôde conter teus pavorosos terrores?

Quando os astros lançaram os seus dardos,
e regaram de lágrimas os céus,
sorriu Ele ao ver sua criação?
Quem deu vida ao cordeiro também te criou?

Tigre, tigre que flamejas
nas florestas da noite.
Que mão, que olho mortal
se atreveu a plasmar sua terrível simetria?


O Tigre - Willim Blake

domingo, 17 de abril de 2011

Noite

Ela andava pela rua, olhando para a lua, pensando na dor que sentia. Deslizava pela calçada em suas roupas pretas, com seu sobretudo cobrindo parte de seu corpo, esvoaçando atrás de si. Houve épocas em que gostava do sol. Não mais. Era bom andar na noite, seu olhar escondido pela sombra da franja, e as pessoas não faziam perguntas, nem cruzavam seu caminho.


I'm over it

You see i'm falling in the vast abyss

Clouded by memories of the past

At last I see


Respirou fundo o ar fresco da noite, seus olhos refletiram em vermelho por um instante. Ouviu um som próximo de música, resolvendo segui-lo. Certas ruas, certos lugares da cidade nunca dormem. E ela sorriu por isso. O som vinha de uma casa afastada, uma casa grande, vitoriana, com tochas decorando a entrada. Olhando melhor, viu outras figuras de preto entrando na casa, passando pelos seus jardins.


I hear it fading, I can't speak it

Or else you will dig my grave

You feel them finding, always whining

Take my hand now be alive


Seguiu seus semelhantes até a parte de dentro da casa, chegando num enorme salão aberto que dava nos jardins dos fundos, por onde a música alta se espalhava. Mais tochas se espalhavam pelo lugar, tentando dar alguma iluminação, mas ainda deixando o ambiente sombrio que todos pareciam apreciar. Luzes negras piscavam pelo salão enquanto seus ocupantes deslizavam, dançando, provocando e tocando levemente seus pares, trocando olhares profundos de cobiça e fome.


You see I cannot be forsaken

because I'm not the only one

we walk amongst you feeding, raping

must we hide from everyone?


Passou distraidamente pelos casais, andando devagar, ouvindo a música, deixando-a entrar em sua cabeça e esvaziar seus pensamentos. Chegou até o jardim, onde alguns também dançavam. Viu um casal se beijando da escuridão e suspirou em descaso acendendo um cigarro. Lembrou-e dele. Saudade. Respirou mais fundo a fumaça do cigarro, sentindo-a penetrar em sua mente, fazendo-a tentar esquecer.


I'm over it

why can't we be together embrace it?

sleeping so long taking off the mask

at last I see


Passou uma garçonete com uma bandeija de bebidas, da qual uma foi devidamente roubada num gesto rápido. E ela bebeu aquele sangue misturado pela fumaça e pelas lembranças. Lembrou do toque dele mais uma vez enquanto sentia-lhe o sangue descer por sua garganta como um drink doce, feito só para ela. Lembrou de sua boca quando seus lábios tocaram o cristal gelado do copo. Sentia falta de seu calor.


My fear is fading, I can't speak it

or else you will dig my grave

you feel them finding, always whining

take my hand now be alive


Correu então de volta para o salão, deixando copo e cigarro pra trás. Precisava daquela atmosfera, da música frenética, do cheiro de fumaça, das luzes piscando, da escuridão profunda, das pessoas distorcidas... queria poder se apegar a qualquer coisa que lhe fizesse esquecer, pelo menos um pouco, daquela saudade que sentia dele...


Everyone

Everyone




Forsaken - David Draimen

domingo, 3 de abril de 2011

Cobertas

Entre as cobertas, ela acordava envolta do cheiro da pele de seu príncipe. Pensou que poetas e músicos poderiam fazer odes sobre a maciez de sua pele, ou sobre seu sorriso doce. Mas nada seria tão digno quanto a maneira melódica como ele suspirava quando estavam juntos. Ela puxou o cobertor para mais perto de si e respirou fundo. Doce. Doce como ele. As toalhas de rosto e de banho também tinham o cheiro dele. Era gostoso de sentir porque dava a sensação de que, de alguma forma, ele estava por perto e poderia entrar no quarto a qualquer momento.


Andando pela casa ela reparou que tudo parecia diferente apesar de igual. A presença dele estava na casa, tudo parecia ter o toque dele, e, pela primeira vez, a casa não parecia mais dela. Parecia deles. Tudo estava tão estranhamente familiar que ela teve a impressão de que eles sempre estiveram juntos alí - e que ele acabaria voltando para casa, de onde quer que ele tivesse ido. Ela não só queria que ele voltasse, mas que ele tivesse ficado. Lermbrou-se do dia anterior, de como ele cuidou dela e ficou fazendo carinho no seu cabelo. Foi tão bom, poder ficar deitada no peito dele daquele jeito. Era quente, confortável e seguro. Ele foi tão carinhoso com ela, e aquele carinho no cabelo... tinha sido tão especial...


Sempre que se viam, ela se sentia muito feliz de ver como ele pensava nela e cuidava dela. Só ele cuidava dela assim, abraçava quando ela precisava, dava carinho e amor. De vez em quando ele lhe beijava os joelhos, ela gostava porque era um jeito de dar carinho. Sabia que ele estaria sempre com ela. E ela sabia que faria qualquer coisa por ele - morreria, se precisasse. Ele era especial, importante pra ela, independente de qualquer coisa. Ela pensava que queria cuidar dele da melhor maneira possível, dar o mesmo carinho que ele dava. Ela o amava demais, se precupava muito com ele, e queria que ele se sentisse bem com ela como ela se sentia bem com ele. Era impossível impedir-se de amá-lo daquele jeito, e ela só precisava do amor dele em retorno. Precisava dele amando-a. Precisava dele e pronto - porque ele a fazia feliz.