segunda-feira, 11 de julho de 2011

Doloroso Adeus - Parte IV


Selene tivera vários pesadelos durante a noite, ainda que não se lembrasse deles pela manhã. O soldado que lhe levara o café (quem diria que alguma dia uma princesa viveria de pão e água?) dissera que a ouvira gritando durante a noite. É mesmo? Não percebi, disse ela com indiferença. Em breve ela e Albert seriam jogados ao mar. Ela não sabia até que distância a nau iria, o "passeio" podia durar dias ou semanas.

Ela olhou-se na cela. O vestido rasgado e sujo, além de úmido por estar na parte de baixo do navio, onde nada jamais secaria. Em geral ela gostava do cheiro do mar, mas alí ele era misturado com algum tipo de podridão, ainda que os navios da frota fossem limpos e bem cuidados. Selene sentou-se num canto da cela, com o vestido atrapalhando. Pegou uma pequena faca que escondera em sua mochila, cortando-o quase pela metade. Isso doeu nela, era um vestido lindo, sua avó, a própria rainha, o costurara. Mas a rainha não se encontrava na nau, ela estava de luto, cuidado do castelo. Seus olhos marearam ao lembrar-se dela. Ela era gentil e boa com todos, sempre educada. Ela era um exemplo de elegância. O que pensaria de sua neta agora? Selene não teve a oportunidade de descobrir...

Pouca gente sabia, mas o vice-rei tinha o hábito de visitar os prisioneiros, de estudá-los. Queria tentar entender por que cometiam os atos que cometiam. Alguns eram surpreendentes, outros nem tanto. Selene com certeza superava a maioria, mas o vice-rei não a visitava. Não a visitava porque não queria vê-la. Provavelmente não queria nem olhar para ela. Era compreensível, é claro, mas um pouco frio demais. Uma morte assim mudava muito as coisas. Uma morte assim mudava tudo.

Albert comia vorazmente o pão, bebericando a água de vez em quando, parecia querer aproveitar bem o que seria uma de suas últimas refeições. Então Selene olhou o próprio prato, observado melhor seu pão, reparando num detalhe que talvez fosse interessante. Era um brioche. Brioche sempre fora seu pão preferido, mesmo que pouca gente soubesse. Talvez aquilo significasse que o vice-rei achava que seu desjejum pudesse ser um pouquinho mais digno do que um pedaço de pão de ontem. De qualquer forma, ela sentou-se pensando nisso enquanto comia sua refeição devagar. Também ficou pensando se receberiam mais alguma visita, mas isso logo foi respondido quando aquele soldado irritante voltou a entrar na sala, o mesmo do dia anterior.

- Bom dia, princesa! Dormiu bem?

Ela respirou fundo.

- Te mandaram só para me atormentar, soldado? - disse ela com desprezo.
- Venho por vontade própria... Além do mais, alguém sempre precisa atormentar os prisioneiros... - disse ele com um sorrisinho. Então dirigiu-se a Albert. - E você, velho, soube que dava aulas para a princesa... Será que você não ficava muito perto dela? Perto demais?

O soldado terminou a frase num riso alucinado, quase familiar.

- E então, velho? - Albert olhou para o soldado - A pele da princesa é macia? - perguntou ele com um olhar obseno, numa voz baixa, como se esperasse que Albert fosse lhe contar um segredo, mas isto não aconteceu.
- Caia fora. - disse Albert num tom neutro, sombras cobriam-lhe os olhos. - Caia fora enquanto pode.
- Oh-ho... Isso foi uma ameaça? Com quem acha que está falando, velhote? Acha que vai escapar daí?

Sir Albert ficou em silêncio, seu olhar ainda escondido pelas sombras.

- Oy. - disse a garota - Devolva o que roubou de mim.
- Sente falta da sua renda, milady? - escárnio era óbvio em cada palavra dita - Por acaso sente frio? - e riu mais uma vez, um riso louco.
- Não. Mas sinto nojo de você.
- Ora, sua vagabunda! Vou te mostrar... - mas suas palavras foram cortadas por um chamado de outro soldado.
- Nem sei como se tornou soldado, não tem o mínimo de patriotismo ou respeito à Coroa - disse ela entre os dentes.
- Talvez porque a Coroa perdera o respeito por si própria, não é? Você fala demais para quem acabou de matar o rei. Se realmente o amava, teria chegado a tempo na sacada, milady... - Então o soldado deixou a sala de prisioneiros.

Selene pensou em atirar a mesma faca com que cortara o vestido no pescoço daquele soldado horrível. O pensamento lhe trouxe um sorriso, porém, ela não o fez. Sabia que chatearia Albert, pois ele havia lhe ensinado que não era assim que se resolvia as coisas. (Pelo menos não de imediato).

[Soundtrack: "8 Mile" - Eminem]

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