quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Silêncio

O quarto estava abafado, e dava para ver a chuva forte entrando pela janela, molhando o chão. Ambos estavam na cama, olhando um para o outro. Ela se encostava na cabeceira, observando seu amado beijar-lhe os joelhos. Ele sorria lindamente, sempre gentil. Ela sorriu de volta, se dando conta de que olhava para o único homem com quem poderia passar o resto da vida sem qualquer receio. Era bom vê-lo, tê-lo por perto. Simplesmente observar seus gestos mais simples.

Deitaram-se na cama, ela nos braços dele, como sempre. Ela costumava pensar "em tudo e em nada" quando estava acolhida assim, mas desta vez só fechou os olhos, sentindo o peito dele subir e descer enquanto ele respirava. De vez em quando imaginava no que ele estaria pensando, queria entendê-lo como ele a entendia, dar o mesmo carinho que ele dava. E cada minuto esperado por aquele dia tinha valido a pena, o beijo dele continuava doce.

- Eu te amo. - ele disse. Ela sorriu, ainda de olhos fechados.
- Eu também te amo muito.

Tinha sentido falta daquelas palavras. Bom, pessoalmente. Como pode ser, sentir tanta saudade de uma pessoa? Ou alguém ser tão importante? Ele era. Só ele a fazia sorrir quando ela estava chateada, só com ele tudo ficava bem. Era engraçado como as palavras nunca são suficientes para certas coisas. Alguns sentimentos têm que ser demonstrados continuamente, do modo mais gentil que se puder. Mas quem ama já faz isso sem "ter" que fazer, simplesmente porque quer fazer.

Certos momentos deveriam durar uma quantidade de tempo equivalente à sua importância. E para ela nada podia ser mais especial do que o tempo que passavam juntos, mais do que as doces tardes em que amavam-se mesmo que em silêncio. Porque o silêncio é confortável quando as pessoas se amam mesmo. Amantes expressam seu amor com tantas palavras, tentando sempre encontrar "as palavras que nunca são ditas", mas era bem ali, onde eles estavam, naquele delicioso e tranquilo silêncio em que tudo ficaria bem, um nos braços do outro. Como deve ser enquanto ambos forem um só.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Horizonte

Aquele dia era como todos os outros, menos para ela. Scarlet o achava completamente estranho e tranquilo. Neutro. Não que isso fosse ruim, é que era esquisito como naquele filme, como era mesmo o nome? Ah, sim, era "Eu Robô" quando a mocinha dizia "Alguma vez você já teve um dia normal?" e Will Smith responde "Já. Uma vez. Foi uma quinta-feira". É claro que existem dias calmos, mas nenhum outro deve ter sido tão calmo, pelo menos ela não se lembrava.

Ela estava na estrada, banco de trás, como sempre. Assistia os eternos campos verdes daquele caminho interminável onde a estrada e os fios telefônicos seguiam até onde a vista não alcançava. A velha sensação de se estar no meio do nada depois que se sai da cidade, um enorme caminho onde tudo o que se via por todos os lados eram árvores, mato, e, claro, os fios telefônicos. Até onde iriam? Quantos kilômetros de fio telefônico existem? Eram coisas que eventualmente uma ou outra pessoa devem se perguntar quando viajam. (Talvez fossem até o Maine).

Scarlet sempre pegava no sono nessas viagens de carro, mas nesta ela ficou bem acordada, observando a paisagem que, quanto mais era igual, mais era diferente. Até o céu que chovia torrencialmente sobre o carro se dividia ao meio. O lado esquerdo era feito de montanhas, nuvens negras e neblina que davam a aparência de já ter anoitecido. O direito, porém, era um absurdo oposto. As nuvens e o céu se misturavam numa mescla de branco, prateado e um laranja muito claro de um dia que parecia estar amanhecendo. E ao fundo, talvez o mais impressionante de tudo: a paisagem industrial de Cubatão. Toda a imponência de suas torres e usinas se tornando enormes sombras negras contra a luz alaranjada. A assustadora beleza da Revolução Industrial.

O efeito hipnótico do movimento da paisagem continuava até que não fosse mais possível ver aqueles enormes canos exalando furiosamente a fumaça da queima de produtos químicos. Agora a chuva dominava completamente o cenário, a neblina fazendo com que tudo se tornasse fantasmagórico. Carros surgiam e desapareciam de repente, e não era mais possível ver coisa alguma que estivesse além da grade da ponte. Era como se flutuasse. Todos os carros deslizavam horrivelmente no asfalto molhado, esperando aciosamente chegar inteiros ao seu destino. Felizmente, a entrada da cidade parecia escapar da chuva, espalhando uma deliciosa brisa quente e salgada. O céu estava azul quando ela chegou, mas a saudade veio junto. O amor e a falta também.


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Trilha sonora da escrita, como curiosidade:

Fall to Pieces - Velvet Revolver
Iris - Goo Goo Dolls

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Só você

Em algum lugar da Romênia uma sombra deslizava com rapidez por entre as árvores daquela floresta. Iris fugia da pessoa que mais amava, mas ele nem sabia. Andrew havia se tornado um hunter, e ela era um monstro agora, naturalmente que ele a caçaria. O objetivo dele, como o dos outros hunters, era caçar e matar aquilo que ameaçava a vida dos cidadãos. Aquele tipo de coisa que todos sabem o que é, mas ninguém tem a coragem mencionar.

A pele dela se cortava levemente com os galhos que esbarravam pelo caminho, mas os ferimentos se curavam em segundos. Ela ia rápida, mas ele a acompanhava bem, estava logo atrás dela. Eles se conheciam desde pequenos, e ela sempre havia gostado dele, mas nunca conseguiu lhe dizer. Então aquilo aconteceu. Seus pais foram mortos e Iris foi morar com seu novo mestre que não permitiu que ela visse seu amado novamente. Os galhos cortavam mais fundo agora, ele estava chegando perto.

Iris olhou para o céu, já ia amanhecer e ela não podia mais ali. Viu uma cabana abandonada ao longe e seguiu para lá com Andrew bem atrás dela.

- Renda-se, demônio! - gritou ele mais próximo, lançando estacas de madeira com uma atiradeira. Uma delas raspou no braço de Iris fazendo-a gritar com uma voz horripilante que arrepiaria o mais corajoso dos mortais.

Ela desviou-se de outra estaca, entrando na cabana. Andrew entrou em seguida, arrombando a porta.

- Fique longe de mim! - ela disse, cobrindo-se com a capa. Ele não deu importância e adiantou os passos para mais perto, ainda armado com a atiradeira quando notou que a criatura chorava. Um choro estranho, mas um choro. A arma vacilou em suas mãos enquanto ele continuava se aproximando.

Iris encolheu-se contra a parede, as mãos cobrindo o rosto. Quando sentiu que ele estava diante dela, gritou.

- Não, Andrew! Por favor...
- Iris? - perguntou ele trêmulo, largando a atiradeira ao chão. Deu um passo a frente e abraçou-a.

Os sentimentos, a saudade... O momento pareceu durar para sempre. Ela contou o que aconteceu e ele ouviu todas as palavras. Sentia que só queria protegê-la, e gostava dela por quem ela era. Ela sorriu nos braços dele.

- Só você pode me curar, e só você pode me machucar... Só você... - ela disse com voz chorosa.

Ele olhou-a nos olhos.

- Eu amo você - e abraçou-a ainda mais, fechando os olhos com força, esperando pela mordida que veio doce. Ela o mordia com delicadeza, amando-o de volta, curando-se. Apenas o sangue de um hunter pode curar um vampiro.

- Também te amo... - e beijou-o com ternura, sentindo-se mais feliz e humana do que nunca.

O casal fugiu da cidade. O destino não importava, só queriam estar juntos, longe dos olhares mesquinhos das pessoas. Talvez a graça estivesse justamente em não se escolher para onde ir, ou simplesmente na emoção da viagem. Mas é algo que apenas eles podem descobrir juntos.