O Começo do Fim - Parte III

Selene olhava vagamente para a vista de cima de uma das árvores mais altas da propriedade, pensando se algum dia consertaria seu coração partido.

- Hey, Selly - disse Emille, seu bom amigo vindo fazer-lhe companhia depois de exercícios militares. O jovem tinha 25 anos e já fazia parte do planejamento estratégico de guerra, tinha um sorriso largo e branco no rosto de traços bem marcados que combinavam com a boca levemente carnuda. Era naturalmente alto, medindo 1,85, num corpo malhado e invejável pela maioria dos soldados, além de sua pele alva constrastando com belos cabelos negros curtos e espetados.
- Hey, Cloude - respondeu a garota vendo-o de cima. "Cloude" era seu apelido praticamente desde o momento em que começaram a amizade, devido à sua aparencia de poucos amigos. Ele também aniversariava no mesmo dia que Selene e ambos sempre tiveram uma grande sincronia e concordavam na maioria das coisas. Exceto uma.
- Como você está? - perguntou ele subindo na árvore também.

A garota mais uma vez olhou para o vazio distante, sem dizer nada. Emille se sentiu triste, já que era amigo de ambos os integrantes do casal que recentemente fora desfeito.

- Me magoa. - disse ela.
- O que? - perguntou ele de volta.
- A forma como ele foi me abandonando aos poucos. - respondeu ela olhando para baixo, balançando os pés. - A forma como ele mentiu pra mim.
- Sobre o que? - perguntou ele, curioso, já o amigo não era de mentir.

"Sobre tudo!" quis gritar ela se ainda tivesse força nos pulmões. Como se alguém pudesse (existir) respirar depois de chorar tanto.

- Ele mentiu quando disse que me amava. - disse ela esforçando-se para libertar as palavras de sua boca, como se fosse a primeira vez que as dissesse em voz alta, com medo de finalmente se convencer que sua conclusão era verdadeira.

Emille respirou fundo e olhou para o alto meneando com a cabeça enquanto a garota permanecia em seu olhar vazio.

- Ele não mentiu pra você. - disse ele calmo, reparando em como o sol fazia as folhas da árvore brilharem.

Isso tirou Selene de seu mar de pensamentos, para em seguida passar por sua cabeça todo o tipo de ofença que poderia fazer a Emille, por dizer algo como aquilo. Nenhuma palavra saiu de seus lábios, mas seus olhos mareados perguntavam de modo muito óbvio um "Como você sabe, Emille?".

- Ele anda triste também. - disse o jovem como quem em resposta ao pensamento-pergunta. - Ele anda mais... concentrado que o normal, até mesmo pra ele...

O comentário a fez derramar uma longa lágrima das saudades que tinha de quando tudo parecia mais belo, de quando ela ainda se sentia um pouquinho mais feliz em seus braços, que agora vinham na lembrança apenas como correntes frias que a prendiam dentro de si mesma antes e agora.

Lembrou-se de uma ocasião em especial, num dia algum tempo atrás em que ele, naturalmente, havia passado o dia todo ocupado, ignorando-a de todas as maneiras possíveis. Quando Tess finalmente tinha se dado ao trabalho de proporcionar alguma atenção à Selene, ela abraçou-o repentinamente e começou a chorar com o rosto escondido no ombro do outro. Na ocasião ela talvez não tivesse reparado ou se importado com o fato de que ainda haviam vários soldados indo para seus outros afazeres, passando próximos ao casal. Nesse instante Tess afastou Selene de seus braços.

- "Não quero que você chore nunca mais". - disse ele. Contando assim poderia parecer como algo bom, ou mesmo uma gentileza do jovem, mas prestando-se atenção, olhando-o olhos nos olhos como Selene fez, viu que ao dizer isso seu olhar era rígido e sua expressão dura como a de uma estátua.

Essa lembrança fez a garota abraçar-se ao braço direito de Emille e chorar o mais silenciosamente que podia.


[Soundtrack: "After the Love is Gone" from Earth, Wind and Fire]