sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Dellirium - Parte V

Selene passou algum tempo inconsciente sobre aquele pequeno altar, até que em algum momento, deu-se conta de si mesma. Era estranho, ela estava consciente, mas não podia se mexer, ou abrir os olhos (tudo era escuridão), ou mesmo falar... Queria pedir socorro, queria gritar, queria morrer...

E sua consciência apagou mais uma vez.

Ela não sabia quanto tempo havia se passado desde seu lapso de consciência, mas dessa vez sua situação havia mudado um pouco. Continuava em meio às sombras, num espaço escuro, e aparentemente vazio. Desta vez encontrava-se de pé, sentia as dimensões de seu corpo e podia se mexer. Podia andar.

Deu um passo. Nada. Outro. Nada. Não havia som de passadas, era somente um vasto silêncio, que talvez nem um grito pudesse quebrar. Pensou em falar, quem sabe chamar por alguém, mas quem estaria alí? Naquele lugar estranho?

A escuridão, de repente, começou a formar um ponto de luminosidade, que começava a brilhar mais e mais até consumir completamente a escuridão, forçando Selene a cobrir os olhos. Ao abrí-los de novo, notou que estava no castelo de Floratta, numa das torres. Mas não em qualquer torre.

Olhou em volta, fazendo uma volta em si mesma. Não havia ninguém lá... Porém, de repente, ouviu algo vindo do parapeito.

- Olá... - dizia o Rei com a voz horripilante de alguém que voltara dos mortos. Ele estava morto, é claro, mas sua aparição não era como a de um fantasma. O avô de Selene, ereto e armado de sua espada, permanecia parado e perfeitamente real, um ser consistente através do qual nada se via, já que não possuía a natureza transparente dos espíritos. - Como é me deixar morrer?

A garota engoliu seco, também pegando sua espada. Que mundo estranho era aquele?

- Como você pôde me deixar morrer?? - disse ele urrando na voz grossa de um monstro - Como pôde matar o rei?? Eu sou seu avôooooooo!

O monstro gritou as palavras de forma débil, tentando com toda a sua força, cortar Selene com sua espada. A garota se defendeu prontamente, mas se afastou em seguida.

- Mas vovô! Não fui eu! Não fui... - e ela se desviou de outra tentativa do morto de decepar-lhe a cabeça.

- FOI VOCÊEEE! AINDA SE CONSIDERA UMA CARTER?? Johnnathan Carter teria VERGONHA DE VOCÊEEE! - gritou a coisa, segurando a espada desajeitadamente.

Aquilo feriu o ego de Selene. Johnnathan Bay Carter era o fundador de Floratta, e primeiro rei de sua linhagem. E era ela quem herdaria isso, era ela quem tomaria as decisões do Estado... Mas, é claro, ninguém acreditava realmente nela. Passou a vida sendo chamada de incapaz, mesmo com todo o seu esforço de entender como as coisas funcionam no reino...

Isso sempre repetia-se em sua mente: ninguém acreditava nela. Nem mesmo o seu avô, morto por uma Cópia sua... Nem o Rei, ou mesmo o Vice-Rei acreditavam em magia. Quanto mais que coisas como Cópias, poderiam sequer existir... E, mesmo em luta, esse pensamento dominou sua mente.

- MENTIROSAAAA! - avançou a criatura para mais um ataque, ao que Selene não conseguiu desviar, e recebeu um longo corte no braço esquerdo. - Nunca vai ter meu reinooooooo!

As palavras dele ecoavam em sua mente mais profundas do que a dor em seu braço. Aquilo não era verdade, não fora ela a assassina. Porém, no momento de seu raciocínio, outro oponente surgiu.

- VOCÊEEE! ACHA MESMO QUE AINDA TE CONSIDERO MINHA FILHA???? - disse o outro monstro. Seu sangue gelou. Era o Vice-Rei que quase conseguiu antingí-la no ombro direito com sua respectiva espada.

Aquilo tudo a feria por dentro, era seu pior pesadelo transformando-se em realidade: ser abandonada pela família, sem qualquer credibilidade ou direito de opinião... E nesse mesmo pensamento, foi atingida na cintura pela espada do Vice-Rei.

Aquela parecia uma dor infinita, como se, apesar de atingirem seu corpo, seu coração doesse mais do que tudo...

- SUA INÚTILLL - disse o Rei, em sua voz estranha. - ESTÚUUUUPIDAAAAA! - continuou ele, fazendo coro com o Vice-Rei.

As vozes dos monstros agora se uniam, enquanto eles, com seus corpos parcialmente apodrecidos, brandiam suas espadas para Selene.

- Por que você não MORREEEEE?? - disse o Vice-Rei em outro golpe que atingiu-a na lateral do peito. - NINGUÉM VAI SENTIR SUA FALTAA!

Mas justamente esse gesto, fez a garota se lembrar de como ela a perseguira, juntamente com seus soldados, antes companheiros de Selene, a humilharam e machucaram. Aquilo lhe deu força, e ela partiu sobre eles, segurando sua espada no alto, e gritando toda a raiva de seu pulmão.

Nesse instante todo o castelo pareceu tremer, como se fosse desmoronar. Ela partiu primeiro para o Vice-Rei, na intenção de cortar-lhe a cabeça, mas este segurou seu braço a ponto que quase torcê-lo. As criaturas eram muito fortes, apesar se sua aparência apodrecida. A coisa jogou a princesa alguns metros adiante, muito perto de onde encontrava-se seu avô, pronto para aplicar-lhe a espada-guilhotina.

Com o chão ainda tremendo, ela levantou-se num pulo, desviando por pouco da espada que cortou parte de seu cabelo, onde antes encontrava-se sua cabeça. Foi sorte o cabelo não ter ficado preso entre os pés do Rei, do contrário ela estaria morta...


[Soundtrack: "Forsaken" - Dream Theater]

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Dellirium - Parte IV

Todos observavam Selene em silêncio, atentamente, como se ela fosse algum experimento de Química prestes a reagir - coisa que não era bem mentira. Ela convulsionou por um instante, ao que Albert adiantou-se para tentar socorrê-la, sendo impedido prontamente por Voltaire que segurou o velho pelo braço.

- O processo não deve ser interrompido, ou elas a machucarão... - disse Voltaire com sombras nos olhos.
- Elas? - perguntou o velho.
- Várias "elas", de uma "ela" só...
- O que quer dizer...?
- Physis... Ela é o que rege todo o universo, todas as pessoas, e ela é quem decide quem são aqueles destinados à glória... O fundo eterno, perene, imortal e imperecível de onde tudo brota e para onde tudo retorna... Porém - fez uma pausa - para que tais escolhidos sejam permitidos a um destino de glórias e guerras, é preciso antes que este sobreviva a ele mesmo...

Albert fez uma pausa tentando conectar o que ouvia ao que já lera, e por fim, ao que, no fundo de seu âmago, acreditava ser possível.

- E como, supostamente, ela deve sobreviver a ela mesma? - perguntou ele.

Voltaire suspirou profundamente, observando a jovem tripulante. Sua convulsão havia se interrompido, e agora seu corpo estava imóvel, quase morto.

- Os seres humanos têm uma natureza difícil, e eles sempre viverão em sociedade... Personalidades e interesses se chocam, problemas começam... Tudo e todos estão relacionados entre si, desta forma, tudo o que se faz ou deixa de fazer tem efeito para os outros... Mas principalmente para nós mesmos. Tudo depende de como a pessoa lida com sua natureza de espírito, a até onde defendemos nossas almas e nossos sentimentos...

Exatamente nesse instante, o peito de Selene parou de se mover.

- Selene! - disse Albert correndo para perto dela, apesar da insistência de Voltarie segurá-lo. - Selene!
- Não se preocupe tanto... Ela já sobreviveu à Physis... Isso significa que ela tem uma chance... - disse Marcus com seus olhos famintos e avermelhados.

Albert olhou para o outro atordoado. Então este seria o processo da Physis? Do qual pouquíssimas pessoas participaram, e do qual também não existia nenhum registro escrito....

- Physis - terminou Voltaire - é o maior segredo do universo...

[Soundtrack: "Within Me" - Lacuna Coil]